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Vivendo uma história de amor...: texto de Eliana para a Aliás

Eliana*


Ilustração de Ju


Vivendo uma história de amor...

Acordei e lembrei dela. Quis tocá-la. Observo a minha amada acordar também e olho de soslaio. Mas, me levanto da cama e deixo ela para lá. Tomo meu banho e lembro que sinto falta dela. Saudades, sabe? Dá para sentir falta de uma pessoa mesmo convivendo com ela. É assim que namoros acabam. Acho que o meu pode estar acabando e é minha culpa. Eu costumo negligenciar nossos momentos juntas. É tudo tão sufocado e rápido. A culpa que sinto por não dar atenção a minha amada chega a sufocar. Ela sente e me avisa. Há dias que ela me avisa com insistência. Ela não é sutil. Lembro dos nossos momentos juntas, eu e ela. Mesmo apressadamente, sinto um prazer imenso. No banho, imagino como seria se me dedicasse mais.

Os textos de autoajuda para casais avisam que se não houver dedicação e esforço de ambas as partes, e principalmente, diálogo e respeito, um casamento não sobrevive muito tempo. Meu problema reside no fato que eu acho que faço ela sofrer. Não a escuto. Eu falo, falo, falo... O FALO.

Eu exijo dela coisas que não sei se ela é capaz de me dar. Até poderia dar, se eu pedisse com jeito, e se eu a tratasse bem. Se eu não a ignorasse, como agora. Fecho os olhos e me excito ao lembrar dela coberta de beijos melosos.

Ela está aborrecida comigo porque da última vez que nos encontramos, eu fui rude. Fiquei com dor de cabeça depois do nosso encontro. Pensei em como o meu comportamento, fazia mal a ela e a mim também. Será que eu devia terminar logo com isso? O amor não é tão importante assim?

Na verdade, não posso viver sem ela. Para viver meus sonhos em completude, eu preciso dela feliz. Eu preciso fodê-la vagarosamente e a tocando fundo, começando devagar e depois rápido. Deixar que ela fale, enquanto faço isso. Não vou silenciá-la mais.

Fale, minha querida. Eu me abro para você.

Gozo. E ela GOZA. Tremendo um pouco. Sinto o cheiro dela. Ela está feliz porque não saí de casa sem cumprimentá-la. Minha vagina. Minha. Deliciosa. Maravilhosa...

Gozo de novo. Agora, me sinto viva. Me sinto feliz. Sim, a minha felicidade depende da dela e a felicidade dela depende da minha.

Terminado o banho e eu sorrio em frente ao espelho. Nua. Eu sempre quis viver uma história de amor e agora estou vivendo. Uma história de amor comigo mesma.

Não foi fácil chegar até aqui com ela. Estou falando não só dela, da vagina. Do meu corpo. Eu e o meu corpo. Amá-lo. Amá-la. Prefiro usar o feminino para falar dela. Ela/Dela, pronomes femininos. Pessoal e Possessivo. Corpo é substantivo masculino, mas vagina não é.

A VULVA. Substantivo feminino. Xereca, xana e buceta, femininos também. O clitóris não é, mas devia ser. Lembro de ignorar completamente minhas pulsões sexuais na adolescência. Era praticamente uma freira. Eu gozava com o masculino. Ele/Dele. Deus, substantivo masculino. Espírito Santo, Jesus, Pai, masculinos também.

Eu pulsava nas orações na/da igreja pentecostal. Larabajaia, cantaranevias... Glossolalia. Coisa boa. Transes bons de sentir. Gozo espiritual. Molhar a calcinha sem molhar a calcinha. Gozo no sofrimento e na autocomiseração. Só alcançava o nirvana naquilo se falasse palavras de desprezo a mim mesmo. “Não importa a minha vontade, e sim a tua”. Essas e outras frases. Era uma relação de escravidão. Religiosa e sexual. As duas coisas. Sexo só com anuência d’Ele. Nunca dela. Ignorava meu corpo, porque achava que era isso que Ele queria. A vontade d’Ele era mais importante que a minha, que a da minha corpa.

29 anos. Primeiro beijo. Beijo ruim, beijo paia, beijo com cheiro de alho. O cara queria gozar, leia-se queria transar. Eu, não. Não conversou mais comigo. O cara que eu nem lembro o nome. Melquisedeque, vou chamá-lo assim. O nome dele era algo como isso mesmo.

Segundo beijo. Ocupação do Cocó. Beijar um militante. Beijo bom, mas o cara era muito mais novo que eu. Descobri depois que podia ser presa pelo que fiz. Não reparei na sua juventude, pois na minha cabeça eu era uma adolescente, não por querer, mas emocionalmente falando. Beijo bom, mas na barraca ele não me deu prazer. Eu dei a ele, ele gozou na minha mão. Pau pequeno.

Terceiro beijo. Outro militante. Mais jovem, mas não a ponto de ser presa. Beijo bom, sem sentimento, com tesão. Quis transar, e como o primeiro, tentou me convencer. Não rolou. Eu não quis, achei ele frio e calculista. Vi ele de novo em um evento de esquerda. Nem olhou para a minha cara.

Quarto beijo. Beijo muito bom. Delicado. Namoro de quatro meses. Namoro abusivo. Repeteco da subserviência que eu tinha com Deus. Ou o que eu pensava sobre quem era Deus. Foi o primeiro a me tocar, depois de muitos anos que eu não a tocava. Minha corpa sentiu. Gozou. No entanto, ela também sentiu o desprezo dele com ela. Fede. Cabeluda. Corpa gorda.

Quinto beijo. Encontro com a paixão, com o companheirismo e a cumplicidade. Ele não tinha experiência, eu também não. Combinamos. Gozo mútuo. Respeito.

Não é um cavalheiro em um cavalo branco que me ajudou a entender minha sexualidade, porque, primeiro, isso não existe. É a projeção do imaginário messiânico em homens. Ele vai prover, ele vai sustentar, ele vai possuir, ele vai ser dono. Viu a semelhança? Não, não quero isso. E segundo, a minha sexualidade é minha. Minha vulva. Minha vagina. Eu gozo partilhando minha corpa com ele, não dando nada a ele.

Aliança no dedo. Compromisso. Medo e expectativa. Brincar de casinha foi a primeira fase. “Meu namorado é maior otário, ele lava as minhas calcinhas” foi a segunda fase. Divisão de tarefas domésticas. Conflitos. Muita conversa. A conversa é feminino também. As coisas boas sempre são.

Minha, eu sou minha. E eu me amo. Como toda boa história de amor, tenho lá meus conflitos com ela. Mas, a amo. Amo muito. Esse texto é sobre ela. Minha amada e minha amora: a minha corpa. Não vou mais negligenciar o que ela quer. Eu sou sua. Eu sou de mim mesma. Não vou sufocar mais isso: Eu me amo. Eu vou tratá-la bem. Eu vou me tratar bem.

Estou vivendo uma história de amor...

Comigo mesma.


***

Eliana

Eu sou uma mulher branca gorda, cis, heterossexual. Feminista, socióloga e professora. Atualmente, estou Doutoranda pelo PPGS-UFC, pesquisando feminismo, mas já pesquisei religião. Gosto de escrever sobre cotidiano, política, religião, feminismo e sobre minhas vivências.


Ju

Trinta anos de sonho e de sangue. sol em aquário, lua em gêmeos e mais um monte de ar no mapa, mas jura que tem um coração. onde queres um lar, revolução. é psicóloga. desenha e escreve para não sufocar com as forças incontroláveis que traz no peito.


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