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UM DIA ELA VIU UM BURACO NO PEITO: um texto de Micélia Oliveira

Micélia Oliveira*

Ilustração de Ju


um dia ela viu um buraco no peito.

é, foi ruim aquele dia... mas daí ela olhou bem e entendeu tudo ali.

havia quem achasse feio e até queriam a todo custo escondê-lo. mas ela admirava, ora, e achava inclusive que ornava com o sorriso que carregava.

bom, o fato é que havia realmente um buraco no peito dela. e fizeram de tudo. teve reza, choro, mandinga, pedido, promessa e acordo... mas o tal do buraco continuava lá. enquanto eles queriam tapar, ela exibia o danado feito troféu daqueles lustrados, bem tratados, bonitos a brilhar. ela achava uma beleza, mas tantos não suportavam olhar.

um dia alguém desavisado, achando aquilo um fardo, pôs-se a costurar. ela, coitada... estava cansada de explicar, deu-se por vencida e resolveu aceitar. linha, agulha, noite e dia sem parar. sangrava, ardia, doía... "é pro seu bem, não vamos parar!" e enquanto cada ponto cosia... ela sentia o mundo girar.

foi daí que num minuto, já quase sem respirar, os olhos vermelhos, a boca seca, as mãos frias e a voz quase a falhar, ela tomou de volta o fio, "me dê, é meu, não há o que sarar!" e de repente dali, o amor voltou a brotar.

não há, meus caros, nada a consertar num peito aberto pelas histórias vividas, sejam elas até mesmo doídas, porque a beleza da vida também está nas marcas, nas cicatrizes e nas feridas de cada caminhar.


*** Micélia Oliveira

Mãe da Sofia e da Isadora. Formada em Letras. Servidora Pública. Torcedora do Ferroviário. Procrastinadora crônica, pelamordedeus não me avexe! Tenho abuso de gente fresca e morro de medo de adoecer. Trago umas lonjuras no peito...mas ainda bem que sou passarinho.


Ju Trinta anos de sonho e de sangue. sol em aquário, lua em gêmeos e mais um monte de ar no mapa, mas jura que tem um coração. onde queres um lar, revolução. é psicóloga. desenha e escreve para não sufocar com as forças incontroláveis que traz no peito.



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