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TEORIA DA TEIA: um texto de Tércia Montenegro para a Aliás

Tércia Montenegro*

Ilustração de Jéssica Gabrielle Lima


Neste período de confinamento, não sei se pelo motivo de estar mais atenta – dedicada às minúcias do espaço doméstico, em vez de me perder na dispersão das paisagens –, tenho encontrado inúmeras teias. E não me refiro às redes virtuais, estruturas tecnológicas que, com um misto de consolo e desalento, trazem uma ilusão qualquer de proximidade (do mundo, das pessoas amadas, sim – mas também de muito conteúdo nocivo). Estou falando em algo bem mais simples e pouco problemático: teias de aranha.

Aranhas tecem moradas no topo dos meus armários, ficam suspensas de modo fantasmagórico quando passo e as encontro, em aparente flutuação. Num canto de parede, também é provável descobrir seus vestígios; às vezes consigo acompanhar suas operações de caça e alimento.

Surpreendo aranhas dentro do meu carro, quando – para a ida semanal ao supermercado – me lembro dele. E, se penso na Teoria da Catástrofe, que menciona mudanças bruscas e súbitas, suponho que possa existir, em alguma revista acadêmica de secreto prestígio, um trabalho sobre a Teoria das Teias, mas numa proposta longe de modelos econômicos...

Ora, antes atribuí simplicidade a este tema, porém agora me corrijo. As aranhas são muito complexas. Elas criam arquiteturas invisíveis, moram em autocasas diáfanas; parecem, por excelência, seres circenses – embora, pela discrição, avessos a espetáculos. Elas trabalham onde tudo se aquieta, matam por armadilha e não por ataque (o que parece menos cruel, pois numa armadilha a própria vítima, distraída, de algum modo escolhe o seu destino). São minuciosas e persistentes... e amam a elegância, com certeza.

Aranhas desenham, bordam, praticam matemática e design. São criaturas de porte poderoso: basta admirá-las na escala da escultura Maman, de Louise Bourgeois. Desde sempre me fascino por suas redes translúcidas, feixes tão perfeitos nos caminhos aéreos. Uma brisa os transforma em pula-pula de brinquedo; imóveis, são ornamento para os ângulos no muro, tanto quanto os paninhos rendados que uma avó põe sobre a mesa.

Certa vez, numa viagem a Cococi (cidade-pioneira dos isolamentos, olha só!), ao entrar na igreja e buscar assento num dos bancos, senti a resistência de uma longa teia que me barrava o caminho, como um tipo de algodão-doce finíssimo. Lamentei a destruição involuntária do material e me senti uma invasora. A igreja estava ali para os insetos e as aves; eles que davam vida ao lugar – o que queria eu, estouvada visitante?

Trabalhar em silêncio e com capricho; ser criativa a cada salto. Eis a lição aracnídea. Mas há outras, muitas outras, nesta teoria: uma teia cria conexões, alonga (fisicamente mesmo) os elos. E quando se cai em sua armadilha, a vítima vira múmia, antes de ser deglutida (atenção agora para as teias virtuais). Essa estrada tecida é um tipo de labirinto; a aranha reconstrói o cosmo. Ela imita o olho. O diamante. A corola.

A aranha é uma explosão que levita.

Aprendamos com sua existência.

***


Tércia Montenegro é escritora e fotógrafa.



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